Cebolas, limões e papel-higiénico: os bens raros de Jakarta

Março de 2020, o mundo teme o aquecimento global, as crises económicas e os vírus que andam aí. Em Jakarta, o drama está instalado porque não há cebolas. O tema é debatido na porta da escola, no mercado e nos grupos de mães no Facebook. E que não se pense que é por terem sido anunciados os dois primeiros coronapremiados da Indonésia e a malta se ter lançado numa louca corrida aos supermercados, não. Já antes, quando ainda se acreditava que viver neste país nos dava o super-poder da imunidade viral, a cebola era um bem mais valioso do que o ouro.

A cebola e os limões, desapareceram das prateleiras já há várias semanas. E vem mal ao mundo com isso, Rita? Alguém morre de fome se não tiver cebolas ou limões, por acaso? Não, claro. Quer dizer, sim. Mas como é que é suposto uma portuguesa (eu, vá), sobreviver sem aquele refogadinho do arroz? E o Pedro, o saudável cá de casa que não passa sem a sua dose de sumo de limão todas as manhãs? Como é que ele agora vai viver até aos 100 anos? Parece piada, mas digam-me lá, quanto tempo é que acham que iam demorar até começarem a bater mal por privação de cebola?

E eu nem sequer gosto de cebola. Mas, na culinária portuguesa, é um ingrediente incontornável. E, sendo algo que até se encontra em todo o mundo, é uma forma fácil de dar aquele toquezinho de Portugal a qualquer cozinhado. Ou melhor, era. Agora não há cebola que me salve as desgraças que preparo na cozinha, na Indonésia. O limão, temos substituído por lima, que eu até prefiro. E essas, para já, ainda se encontram em abundância. Ou, em último caso, há aquele concentrado em garrafa. Agora, para a cebola, não lhe conheço nenhum genérico.

Se esta situação, de algumas coisas desaparecerem do supermercado, é novidade em alguns países e vem normalmente associada a questões mais complexas. Como agora a coronohisteria generalizada, as greves de camionistas, ou as promoções de Natal do Continente, aqui, é só a vida. Em tempos de normalidade, em que ninguém está a adoecer em barda, já há coisas que desaparecem durante semanas e meses. Mas claro, agora intensificou-se tudo. Esta semana, mal oficializaram os dois primeiros caos de coronavírus na Indonésia, a malta deu logo cabo do stock de arroz, noodles instantâneos e papel higiénico.

Eu, optei por ir fazer as compras normais da semana no supermercado ao lado do restaurante onde o contagio se terá iniciado. Se pensei nisto antes de lá ir, não. Mas, não havia filas e os stocks estavam repostos, acho que escolhi bem. Só não havia papel higiénico, nem limões, nem cebolas. Mas de resto, tudo quanto me permite manter-me alimentada, encontrei.  E, para ser sincera, as únicas coisas que eu espero que não se acabem por aqui, são a água potável, o oxigénio e os bilhetes de avião para dar o fora, em caso de necessidade. 

No fundo, é sempre uma questão de perspectiva. Lembremo-nos que continua a haver pessoas a sobreviverem com dramas muito maiores do que isto numa base diária. Eu estou bem ciente disto. Viver aqui é uma maneira muito boa de ter essa noção sempre presente. É só ter os olhos abertos que os exemplos estão a toda a volta. Mas sabem aquele clássico de que quando perdemos uma coisa é que começamos a dar-lhe o devido valor? Assim estou eu, com as cebolas desaparecidas de Jakarta. Tomei-as por garantidas e agora estou de rastos.  

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