Antes de mais, odeio estes títulos com “x coisas que blábláblá“, mas a minha amiga Isabel C., que domina temas e nomeadamente muitas cenas, diz que é bom para os motores de busca e afins e por isso tenho feito tantos do género…mas se eu estou a ficar farta de mim com esta conversa, imagino quem me lê. Adiante…
Se leram os meus dois últimos posts sobre Jakarta certamente ficaram a pensar que não viria aqui escrever sobre coisas boas tão depressa. Só que entretanto passaram mais de 2 meses desde que para aqui me mudei e chegou o momento. Continuo a ficar chocada de cada vez que saio à rua e encaro a realidade da cidade mas… não só vejo uma luz no fundo do túnel, como me parece que o próprio túnel está bastante luminoso. Nem todas as coisas que estou a adorar em Jakarta são específicas desta cidade, mas estão a acontecer-me aqui e contribuem para melhorar a imagem que tenho e o meu estado de espírito em relação a ela.
Viver em Jakarta, coisas que me fazem ver a luz no fundo do túnel
1. Voltei a ter vida social a sério
Sem duvida o ponto mais positivo até agora. Eu sou filha única e sempre vivi bem com isso. Gosto de estar sozinha, entretenho-me sozinha e até falo sozinha se estiver a precisar de uma segunda opinião (…eu sei, piada básica, sorry…). Mas também gosto da sensação de que o faço por opção e não porque não tenho outra alternativa. Nos últimos anos a minha vida social esteve adormecida e adaptei-me a isso, mas também sinto que me tornei ainda mais bicho-do-mato e com pouca vontade de socializar ou até de sair de casa. Como um ciclo vicioso, acostumei-me a conviver menos e isso fez-me ter cada vez menos vontade de conviver.
Claro que fui conhecendo pessoas por onde passei e fiz amigos e amigas, fui a festas, eventos e tomei cafés aqui e ali. Mas, em Jakarta, ainda antes de me mudar, já tinha estabelecido uma rede de conhecimentos que, mal cá chegada, me permitiu começar logo a ter uma vida social bem preenchida (abençoados grupos de WhatsApp e de Facebook). Todas as semanas, arrisco a dizer todos dias, tenho actividades para fazer acompanhada (se quiser) e estou a descobrir que afinal até gosto disso. Ter a opção de fazer algo acompanhada, ou não, é bom. Entre as amigas portuguesas, as mães da escola da Inês e os vizinhos, há sempre alguém que tem uma proposta gira e lá vou eu.
2. A escola da Inês e o envolvimento dos pais
A escola onde decidimos pôr a Inês não foi aquela que inicialmente escolhemos como preferida. Acabámos por decidir de acordo com a proximidade à casa que escolhemos e por também nos ter agradado, embora estivesse em segundo lugar na nossa selecção. Não é uma escola grande nem uma das principais no top dos expatriados, mas é uma escola internacional e multicultural, com uma filosofia com a qual achámos que a Inês se iria dar bem. Tem uma ligação forte a culturas não latinas e não asiáticas e isso tem-me dado a conhecer uma realidade bem diferente daquela a que estava acostumada com a escola na Malásia (maioritariamente frequentada por crianças locais) e com aquilo que conheço de Portugal.
Tenho visto nesta escola um enorme envolvimento dos pais (homens) nas actividades escolares e não escolares bem como um verdadeiro equilíbrio na responsabilidade para com as crianças a que nunca assisti antes. Pela primeira vez, há pais e não só mães a tomarem a liderança para organizar festas de anos, play dates nos tempos livres e outras actividades para os miúdos. Vejo sempre um número muito semelhante de pais e mães nos eventos escolares e estou muito satisfeita com isso. É isto que eu quero que a minha filha cresça a ver e a assumir como normal. Porque, para mim, é assim que está correcto.
3. A facilidade com que certas coisas se resolvem
Coisas que assumi ao longo da vida que demoravam “um certo tempo” a acontecer, porque o progresso tratou de as tornar complicadas e cheias de passos e procedimentos, aqui, sendo feitas de forma mais rudimentar, acontecem mais depressa. Tenho alguma dificuldade em fazer sentido na minha explicação, vamos ver se consigo: quando alguma coisa precisa de ser reparada/melhorada aqui em casa, mando uma mensagem e em menos de nada está aqui alguém para resolver. Coisas que, se fosse nos Estados Unidos, ou em França (ui, em França!), demorariam muito mais tempo a acontecer. Por exemplo: pedimos para podar as árvores do jardim e eu assumi que demoraria algum tempo até acontecer (imaginei uma carrinha para levar os ramos e toda uma panóplia de apetrechos). O que se passou foi que me apareceu um senhor com uma machadinha e uma catana, trepou pelas árvores acima e em minutos tratou do assunto.
Esta experiência tem-se repetido em várias situações e deixa-me sempre surpreendida. Não há aquela coisa, “ah, mas para isso é preciso ligar para x para pedir autorização com o formulário z e depois eles entram em contacto para agendar o dia em que lhe vão dizer se podem“, percebem? Claro que depois há o outro lado, em que coisas que deviam ser simples (como abrir uma conta no banco), são todo um pesadelo burocrático e temporal. Mas hoje só estou a falar das coisas boas :)
4. A cena cultural despretensiosa, abundante e variada
Como disse lá em cima, ando com uma vida social activa e, no seguimento, tenho conhecido sítios giros e contactado com a oferta cultural da cidade. Estou só a começar e há muitos eventos que me têm passado ao lado, não só porque não temos com quem deixar a Inês, como porque os timings nem sempre são os mais oportunos. Mas já percebi que Jakarta está cheia de museus, galerias, bazares, espectáculos e outros eventos culturais. Seja o concerto dos Guns n Roses que aconteceu na semana passada, a exposição da Yayoi Kusama, que acabou 1 dia depois de nos mudarmos para cá e já não consegui ver, os Jogos Asiáticos, que este ano decorreram aqui, ou outros eventos de menor escala mas também interessantes. A juntar a estes, coisas simples que se podem fazer no dia-a-dia com a maior das facilidades, como participar em workshops ou conferências, visitar mercados locais, galerias de arte, lojas de artesanato ou de antiguidades, ou simplesmente andar na rua com olhos atentos e coração aberto (mas com máscara a proteger as vias respiratórias), há cultura em todo o lado.
Há também uma série de associações, algumas ligadas a embaixadas ou a grupos étnicos, que promovem iniciativas culturais e de socialização na cidade (e fora dela). Esta época festiva de fim de ano é muito rica em bazares com produtos artesanais e locais e já começo a ter a agenda preenchida a pensar nos presentes de Natal.
5. Há sempre algo estranho a acontecer à nossa volta
Basta-me passar o portão do condomínio e já começo a ver coisas deslumbrantemente estranhas. Coisas que me chocam, mas que também me fazem rir. Sejam os vizinhos da frente que trazem as galinhas a arejar numa gaiola que colocam à beira da estrada, o vendedor ambulante cuja mercadoria são dezenas de peixes de aquário em sacos de plástico, os vizinhos todos à esquina a jantarem com as crianças penduradas na anca, costureiros sobre rodas, motas carregadas com coisas que desafiam as leis da gravidade (painéis publicitários, dezenas de vasos com orquídeas, centenas de balões, and so on), há sempre alguma coisa insólita que me deixa de boca aberta. A última, foi um senhor à porta de uma galeria de arte com um galo enorme ao colo a lavar-lhe as patas com a chuva torrencial que caía, foi um senhor a conduzir com um bebé de meses ao colo que carregava insistentemente na buzina e fazia o carro andar aos “Ss” (update feito a meio da redacção do texto) …
Claro que isto é nos dias bons, nos dias maus é só tudo estranho e incompreensível, mas esforço-me para que sejam mais as admirações pela positiva. Na maior parte dos dias a minha vontade é fazer parte da loucura, comer aquelas coisas que desconheço e ir meter conversa com as pessoas. Controlo-me porque ainda não falo nada da língua local e não quero assustar ninguém, mas gostava mesmo de mergulhar um pouco mais nestes insólitos.
Como está bom de ver, tal com escrevi neste post de primeiras impressões acerca de viver em Jakarta, pouco a pouco, as angustias iniciais acalmam-se e a pessoa começa a entrar no espírito. Até porque, como bem sei, com o tempo as coisas estranhas passam a ser normais e em menos de nada já não me estou a impressionar tão facilmente. Não posso dizer que já me sinto em casa, até porque ainda tenho alguns caixotes por abrir e todos os quadros por pendurar, mas estou a entrar no ritmo e a aproveitar as coisas que a Big Durian tem para oferecer da melhor forma possível.
*na foto, pormenor do mapa-guia de Jakarta feito pela Klara Kero do “Pop My Day in Jakarta” e ilustrado pela sua amiga Livi Gosling com recomendações de sítios a conhecer na cidade.