Viver em Jakarta: como sobrevivi ao meu primeiro ano na cidade

Já passou um ano desde que estou a viver em Jakarta. Até me custa pôr isto em palavras, porque à primeira vista, parece que passou a voar. Mas, agora que faço o exercício de pensar bem neste assunto, foram 12 meses muito preenchidos e emocionantes. Quando me perguntam como estão as coisas por aqui, costumo responder: “está tudo normal e sem emoção, o que é óptimo!”. E é a mais pura das verdades.

 

SobreViver em Jakarta: um ano de emoções fortes

Durante este ano a viver aqui e, depois de superado o stress da mudança, desempacotadas as 333 caixas e pregados os quadros, restabeleceu-se a vida. E deu também tempo e espaço para viver (ou sobreviver a) eventos marcantes de várias naturezas. Ora vejam se não concordam:

 

Eventos políticos

Passei por mais umas eleições polémicas que foram acompanhadas de protestos violentos no centro da cidade. Com isso veio a recomendação para evitar certos locais e um social media blackout que nos deixou sem muita noção do que se passava.

 

Catástrofes naturais

Pela primeira vez, senti um terramoto a sério, já a entrar naquela classificação de “ai que isto já dá para assustar e é melhor fazer alguma coisa”. Tomei consciência que não estou preparada para reagir a catástrofes.

 

Problemas de primeiro mundo

Passei por dois apagões eléctricos, no seguimento de uma avaria que deixou toda a ilha de Java às escuras durante umas belas horas. Com consequente corte de internet e redes móveis. Foi bom para pôr as coisas em perspectiva. 

 

Questões de saúde

Nunca na vida fui tantas vezes ao médico como aqui. Pode ser da idade, que já vai avançada, mas o clima, a poluição e a falta de higiene generalizada, não ajudam e têm-me trazido maleitas. A mim e ao resto o agregado familiar. Felizmente, nada de grave.

 

Um ano em Jakarta: sorrisos, baratas, batiks e alergias

 

Claro que nem tudo foi mau ou dramático. Também enriqueci o corpo e o espírito com viagens para novos destinos, celebrei o dia da independência com os vizinhos, recebi visitas,  fiz novos amigos, ganhei novas perspectivas face ao que até agora tive como garantido e tive tantas aprendizagens que nem sei bem como descrever. Mantenho a mesma opinião desde que para cá me mudei: Jakarta não é a cidade de sonho de ninguém. Bem, talvez o seja para alguém que viva na Indonésia remota e ambicione uma vida com mais oportunidades. Mas tirando isso, “o meu sonho é viver em Jakarta”, é frase que terá sido proferida por ninguém, nunca. Como explicar?

 

Jakarta é caos e serenidade, é luxo e miséria lado a lado, é cor e música com fogo de artifício só porque sim. São horas no trânsito para ir só ali. É um regresso ao passado e modernidade de mãos dadas, mas também de forma atropelada. São os batiks e os sorrisos, os pratos lavados na rua com água de um balde e as baratas a passearem em cima da mesa no centro comercial. São as coisas complicadas magicamente simplificadas e as que assumimos como simples, que simplesmente não acontecem. São as crianças a brincarem na rua enquanto os GoJeks passam desafiando as leis de segurança rodoviária e de sobrevivência.

 

Aqui, sinto-me numa aldeia. Há máquinas de costura sobre rodas, sapateiros e serviço de reparação de relógios porta-a-porta, cada um como seu pregão. Há carrinhos com peixes de aquário em sacos de plástico e outros com legumes também plastificados, deixando para trás um rasto de lixo. Mas sem dramas que depois tudo será varrido para um montinho e queimado logo ali na beira da estrada. Jakarta é poluição de todos os tipos e nem o dia amanhecia em beleza se não fosse aquele efeito de maresia e o cheiro a fumo que faz justificar o investimento nos purificadores de ar que tenho em casa.

 

Viver em Jakarta é estar preparada para a comida picante mesmo que peça sem, maravilhosos sumos de fruta, fritos e açúcar onde menos se espera. São olhares de curiosidade e preços inflacionados só porque não sou daqui. Mas, feitas as contas, eles têm razão e não faz sentido discutir por tão pouco. Tudo é aos milhares e aos milhões e vai-se a ver e são só tostões. Jakarta é calor lá fora e frio polar dentro do que seja. Leva-se sempre um casaquinho por causa do ar condicionado e o repelente de mosquitos também faz parte dos essenciais. É um teste ao sistema nervoso e mais idas ao médico do que o normal, porque entre a tripa, a pele, os ouvidos e as vias respiratórias, algo acaba por ceder.

 

 

E ainda assim, no meio desta loucura toda, ao fim deste ano a viver em Jakarta, posso dizer que estou a gostar. Sim, é possível. É tudo uma questão de adaptação de perspectiva. Eu sei que não vou viver aqui para sempre, valorizo o facto de ter uma vida confortável e compreendo que a coisa mais fácil de mudar em relação a tudo o que considero estar mal na cidade é a minha postura. No fundo, tentar ver as coisas com outros olhos antes de partir para o desespero, ajuda. E, claro, outra coisa boa desta estadia, é que pelo primeiro ano desde 2016, não vou mudar de país. Porque, caso estejam desatentos ou só agora cá tenham aterrado, desde 2016, que TODOS os anos me tenho mudado. E, por muito que eu goste de mudanças, sabe muito bem ter esta folga. 

 

Por isso, quando sobre viver em Jakarta digo “está tudo normal e sem emoção”, soa desinteressante mas são mesmo as melhores notícias que posso dar.

 

 

 

 

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