Viver nos Estados Unidos: a minha versão do American Dream

Atendendo ao feedback que me deram no Facebook, sobre o tema que devia escrever a seguir, falo-vos um pouco da minha experiência aqui nos Estados Unidos e daquilo que surpreendentemente se revelou a minha coisa favorita e que tem tornado esta estadia no verdadeiro american dream. Como já aqui disse antes, a nossa adaptação a Seattle foi muito fácil. As coisas estão, de uma forma geral, bem organizadas. As papeladas tratam-se com relativa facilidade e tudo está feito para ser simples, e isso ajuda, claro.
Quando aqui cheguei, vinda de França, sabia que ia encontrar uma realidade bem diferente. O 8 e o 80 no que à atenção para com o cliente diz respeito, nas interacções com estranhos, nas regras e no positivismo. Mas vinha também, disfarçadamente, com aquela atitude que nós Europeus temos em relação aos Americanos.

O que para mim tem tornado esta estadia no verdadeiro american dream

Há sempre aquelas generalizações, que os americanos não sabem nada de História, que não percebem nada de Geografia, que não têm modos à mesa, que não falam outras línguas, que eles é que são bons, que não cozinham e só comem porcarias e afins. Eu, preconceituosa assumida (mas a lutar cada dia da minha vida para ser uma pessoa melhor), tenho a dizer isto: a melhor coisa que me está a acontecer na América, são as pessoas. E se eu tenho problemas com pessoas…

Fui sendo surpreendida aos poucos, e com pequenos gestos que me foram chegando de desconhecidos. No dia em que visitámos a casa onde vivemos pela primeira vez, os donos tinham um presente para a Inês porque sabiam que ela também vinha connosco fazer a visita. Mal nos mudámos, ainda sem as nossas mobílias e as nossas coisas (tivemos uma mobília temporária alugada), os nossos senhorios vieram trazer-nos uma planta, uma garrafa de vinho, um saco de tangerinas e um urso de peluche para a Inês. Vieram dar-nos as boas vindas e desejar que tudo corresse bem. Da mesma maneira que me vieram trazer flores e donuts no dia da mãe, chocolates, presentes no Natal e outras lembranças de cada vez que lhes pareceu bem.

Um tempo depois de estarmos instalados, estava eu no meu melhor, roupa de sopeira, cabelo ao alto, óculos, a passar a ferro, esbaforida de calores, tocam à porta. Eram os vizinhos do cimo da rua (um casal e 3 filhos). Traziam uma caixa de bolachas e um postal a convidarem-nos para irmos a casa deles no dia seguinte porque iam fazer um barbecue. Eu fiquei tão parva que nem conseguia falar… São estes vizinhos que nos convidaram para o Thanks Giving em casa deles, que tomaram conta da nossa casa quando fomos de férias (sem nós pedirmos nada), que vieram deixar pegadas na neve à nossa porta para parecer que estava cá gente no Ano Novo, que deixaram um balão com o nr 2 na nossa porta quando a Inês fez anos e outros gestos. É esta a vizinha que sempre sabe que o Pedro está fora, me convida para jantar e me manda mensagens quase todos os dias para saber se estamos bem. A mesma vizinha, que no dia do meu aniversário me deixou um vaso com flores à porta e não tocou, porque sabia que eu estava a “fingir” que era um dia igual aos outros.

Os vizinhos da frente, tiveram obras no jardim deles. Quando acabaram, vieram trazer-nos uma garrafa de vinho e pedir desculpa pelo incómodo eventualmente causado. O vizinho do lado, quando a cerca que separa o nosso quintal do dele caiu com o vendaval, agarrou no martelo e reparou os estragos do lado dele e do nosso. No parque infantil, as mães falam umas com as outras, dão dicas de sítios a ir e coisas a fazer. Foi lá que fiz amizade com outra vizinha com quem de vez em quando combino coisas e que um dia, sabendo que o Pedro estava de viagem, me veio bater à porta com um prato cheio de comida acabada de fazer para eu e a Inês jantarmos.

A comunidade portuguesa, acolheu-nos de braços abertos e, sem nos conhecerem de lado nenhum, fomos logo convidados para passar a Páscoa em casa de um casal que cá está há mais tempo, rodeados de vozes que falavam a nossa língua. Muitas vozes! Que eu contei pelo menos 50 pares de sapatos no monte à entrada da casa (não é só nos filmes, as pessoas descalçam-se mesmo quando vão a casa umas das outras). Há um amigo português, que há pouco tempo me disse:

“É complicado estar aqui sem família, por isso temos que nos adoptar uns aos outros. A minha experiência é que os vizinhos normalmente são impecáveis, mas não falam Português.”

E não podia ser mais verdade. Ter a oportunidade de contactar com Portugueses aquece a alma, se forem tão porreiros como os que temos encontrado, melhor.

No supermercado, todos os empregados se metem com a Inês, as pessoas que por lá andam às compras (muitas delas) também. Que tem um cabelo so cute, uns sapatos so cute, uma roupa so cute e que é, ela toda, so cute. Uma vez, eu estava a acabar de tirar as compras do carrinho para a mala do carro e uma senhora, que estava a caminho de devolver o carrinho dela, veio ter comigo e ofereceu-se para levar também o meu (eu estava sozinha, não foi por me ver com um bebé). Era de caminho, quem leva um, leva dois…

No nosso bairro há uma little free library (uma casinha de madeira, na rua, com livros – cada pessoa que queira, tira um livro e deixa outro), onde vamos algumas vezes desde os primeiros dias em que a instalaram. Está sempre recheada de livros, ninguém se lembra sequer de lá chegar e tirar sem deixar nada.

São só alguns exemplos de pequenos gestos, pequenas atitudes, mas muitas juntas, vindas das mesmas pessoas e de pessoas diferentes. Pessoas que mal nos conhecem ou não conhecem de todo. Eles até podem não saber onde é Portugal (só me aconteceu com uma pessoa até agora), eu também não sabia que o Hawaii era um Estado Americano. Podem não saber nada da nossa História, eu também sei pouco da deles, comem com uma mão no colo (porque é isso que é correcto aqui), e tudo o resto que queiramos apontar.

A verdade é que têm um sentido de responsabilidade para com o próximo, como eu nunca vi. O conceito de “comunidade” é uma realidade que põem em prática todos os dias e que funciona por contágio. Dá vontade de retribuir, mas também de fazer o mesmo a outras pessoas que até podem nunca ter feito nada por nós. Aquilo a que eles chamam de “give back” & “pay it forward“, uma espécie de “fazer aos outros o que gostavas que te fizessem a ti“. E isto não acontece só nos programas de televisão em que as senhoras gritam de felicidade, é uma coisa do dia-a-dia e com a qual tenho aprendido muito.

Achavam que ia falar do drive in no Starbucks, na farmácia e no banco? Lamento se vos desiludo.

Um comentário em “Viver nos Estados Unidos: a minha versão do American Dream

  1. Isto até de me deu vontade de ser mais simpático com os meus vizinhos…. mas eles são taooooo chatos e fazem tanto barulho e abrem a porta de casa sempre que estão a cozinhar e o corredor fica com um fedor a caril, que não se aguenta. Esquece, não dá.

Os comentários estão fechados.

Artigos relacionados

Digite acima o seu termo de pesquisa e prima Enter para pesquisar. Prima ESC para cancelar.

Voltar ao topo